O que esperar depois da greve geral na Argentina?

Depois da greve geral de 12 horas e a multitudinária marcha que reuniu mais de 1,5 milhão de argentinos nas ruas em todo o país, o governo Milei prepara o contra-ataque para aprovar o DNU 70/2023 e a Lei Ônibus nesta semana. Em uma câmara composta por 257 deputados, são necessários 129 votos para obter a maioria.

Buenos Aires: Na última quarta-feira, (24/01) mais de 1,5 milhão de trabalhadoras e trabalhadores foram às ruas na greve geral convocada pela CGT (Confederação Geral do Trabalho) com adesão das maiores centrais sindicais do país, movimentos populares e partidos políticos contra a proposta de ajuste neoliberal que o presidente Javier Milei tenta implementar. As mobilizações aconteceram em diversas cidades e nas capitais provinciais, para exigir que os deputados não aprovem a chamada Lei Ônibus, pacote de mais de 300 medidas que Milei tenta aprovar no congresso depois de anunciar o decreto de necessidade e urgência em dezembro de 2023. O DNU está vigente, porém não em sua totalidade, já que a justiça tem dado sentenças favoráveis a distintos setores que reclamam sobre a inconstitucionalidade do decreto, ele precisa da aprovação do Congresso para ter plena vigência. É por isso que a sede do Legislativo foi justamente o ponto final da marcha na capital, Buenos Aires, que segundo a organização recebeu 600 mil pessoas em frente ao congresso nacional.    

O governo tentou minimizar os protestos, mas não conseguiu esconder o impacto das mobilizações no gabinete da presidência. Tudo ficou ainda mais tenso do que já estava com o vazamento para a imprensa das duras palavras de Javier Milei na reunião ministerial convocada às pressas na quinta-feira: “Vou deixá-los sem um peso”, “Vou afundar todos eles”, disparou o presidente contra os governadores. O vazamento custou a primeira baixa do governo com a demissão do Ministro da Infraestrutura, Guillermo Ferraro. Um dia depois, na tarde da sexta-feira (26/1), foi divulgada uma entrevista com Milei, gravada dias antes, na qual ele assegurava que não estava disposto a “ceder nada” na negociação da Lei Ônibus. Não foi o que aconteceu.

O governo de Javier Milei teve que voltar atrás em todo o pacote fiscal que pretendia incluir na Lei Ônibus. De acordo com o anúncio feito pelo Ministro da Economia, Luis Caputo, as 21h da última sexta-feira o Poder Executivo concordou em retirar do projeto de lei que está sendo debatido na Câmara dos Deputados, os impostos retidos na fonte, o capítulo sobre os cálculos para pensões e aposentadorias, a reversão da tabela do Imposto de Renda, anistia para quem tem dinheiro no exterior sem declarar, a moratória fiscal e o adiantamento sobre bens pessoais. É uma derrota completa depois da queda de braço com os governadores e os blocos da oposição.

Mas essas alterações no projeto não eliminam as preocupações da oposição. Para os deputados do “Unión por la Patria” (UxP), Milei quer que os poderes delegados sejam aprovados e que, em seguida, ele imponha as medidas por decreto. Caso aprovarem os poderes delegados, como estão no projeto de lei, o presidente pode mudar toda a ordem socioeconômica sem passar pelo Congresso. E isso significa que ele pode impor fórmulas de aposentadoria, retenções e tudo o mais, por meio de decretos. Em tese, o governo retirara a parte fiscal porque não quer negociar com seus aliados. Agora eles estão buscando três coisas: poderes delegados (superpoderes para o presidente), flexibilidade para assumir dívidas e liquidação do Fundo Garantidor de Sustentabilidade.

O deputado federal do Unión por la Patria, Itai Hagman em entrevista à Rádio Gráfica sobre a lei ônibus na Câmara dos Deputados, “Nós vamos rejeitar a lei, nossa posição permanece inalterada”.

Milei tem os votos necessários no congresso?

Como é de se esperar, os deputados governistas e os blocos aliados farão de tudo para aprovar o que é a mãe de todas as batalhas: os poderes delegados. O processo não será fácil, começará na quarta-feira (30/1) na Câmara dos Deputados e depois terá outra passagem tortuosa pelo Senado. Mesmo os deputados e governadores que falam em “ajudar a governabilidade” sabem que há uma manobra por trás da nova versão da lei ônibus de Milei.

O governo ainda não tem os números necessários para aprovar a iniciativa. Ele retirou o capítulo fiscal da lei em busca do apoio da oposição amigável na câmara baixa, mas mesmo assim não conseguiu avançar e fracassou em sua tentativa de debatê-lo nesta terça-feira. A pressão da Casa Rosada sobre os governadores continua.

Para o presidente da câmara, Martin Menem, o governo conseguirá os votos necessários: “Quando começarmos a votar, acho que temos o número: temos 38 deputados; 37 do PRO; 33 do radicalismo, e há um setor importante do radicalismo que apoiará as medidas; e vejo o bloco de Pichetto (NdR: Hacemos Coalición Federal) nos acompanhando”. Em uma câmara composta por 257 deputados, são necessários 129 votos para obter a maioria.

Um grupo de deputados que responde ao governador de Tucumán, Osvaldo Jaldo (UxP), deixou o bloco Unión por la Patria (UxP) e estaria disposto a votar a favor da Lei Ônibus. Dessa forma, após a saída desse grupo de parlamentares, o bloco liderado por Germán Martínez, de Santa Fé, continua a perder membros, já que anteriormente três outros representantes que respondem ao governador de Salta, Gustavo Sáenz, haviam feito o mesmo.

Tudo indica, entretanto, que os limites serão estabelecidos pelas ruas. Os setores mais pobres, afetados pelos aumentos brutais nos transportes, na eletricidade, no gás e nos supermercados, sem aumentos salariais e com aumento das demissões. A classe média, devido ao enorme aumento do custo das escolas, dos serviços pré-pagos e dos aluguéis, combinado com uma profunda recessão. Até mesmo os amigos da Casa Rosada, aqueles que falam em ajudar a governar, calculam que em março a imagem presidencial estará abaixo de 30%. Com a previsão, além disso, de que os assuntos internos, as demissões no coração do governo e as idas e vindas continuarão diariamente.

O site Pressionar é uma das iniciativas da sociedade civil organizada que busca pressionar os deputados a votar contra a lei ônibus. Também apresenta um mapa do voto através de levantamento do posicionamento público dos deputados sobre a lei ônibus.

Os blocos parlamentários estão compostos da seguinte maneira: Unión por la Patria: 102 deputados. La Libertad Avanza: 38 deputados. PRO: 37 deputados. Unión Cívica Radical: 34 deputados. Hacemos Coalición Federal: 23 deputados. Innovación Federal: 9 deputados. Frente de Izquierda: 5 deputados. Por Santa Cruz: 2 deputados. Producción y Trabajo (San Juan): 2 deputados. Buenos Aires Libre: 2 deputados. Avanza Libertad: 1 deputado. Creo: 1 deputado. La Unión Mendocina: 1 deputado.

O que é a Lei Ônibus?

Intitulada “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, o projeto enviado por Milei tem 183 páginas e 664 artigos. A “Lei Ônibus”, como vem sendo chamada, declara “emergência pública em questões econômicas, financeiras, fiscais, previdenciárias, de segurança, de defesa, tarifárias, energéticas, de saúde, administrativas e sociais até 31 de dezembro de 2025”, com possibilidade de prorrogação por mais 2 anos. Desse modo, delega poderes legislativos ao Executivo em várias áreas.

O projeto também autoriza a privatização de 41 empresas públicas. Entre elas, estão a Aerolineas Argentinas, o Banco de la Nación e a YPF – a principal petrolífera do país. Desregula preços de livros e de ingressos para eventos esportivos. E acaba com a atual fórmula de reajuste das aposentadorias, dentre outras medidas.

A proposta ainda ataca direitos civis e políticos. Inclui, por exemplo, uma ampla reforma eleitoral, revogando as Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (Paso). E enquadra como crime reunião de 3 ou mais pessoas em manifestações que “impeçam ou dificultem o funcionamento dos transportes terrestres, aquáticos ou aéreos ou dos serviços públicos de comunicações e fornecimento de água ou eletricidade”.